Belo Horizonte, 14 de junho de 2014
"Meu caro amigo eu não pretendo provocar
"Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me
furtar
A lhe contar as novidades
A lhe contar as novidades
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate
o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta"
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta"
William, amigo que não se encontra mais entre os de cá.
Hoje pensei diversas vezes em você. Lembrei-me dos primeiros dias do COPAC, quando sentamos para pensar o que seria o movimento, lá em 2010. Quando ainda alí na antiga salinha das Brigadas, tentávamos elaborar uma proposta de calendário de estudos semanais.
Hoje pensei diversas vezes em você. Lembrei-me dos primeiros dias do COPAC, quando sentamos para pensar o que seria o movimento, lá em 2010. Quando ainda alí na antiga salinha das Brigadas, tentávamos elaborar uma proposta de calendário de estudos semanais.
Aconteceria às terças. Iniciamos os estudos e eu pensei que seria
fácil, mas não. Sua orientação era minuciosa, você sugeria que conhecêssemos a
fundo a história de Belo Horizonte, assim me prontifiquei. Aprendí muito, como
essa cidade foi planejada e como o capital se apropriou do espaço urbano para
excluir os pobres, os pretos, os vadios, seja no nascimento da cidade, nos
tempos de chumbo. Como a tradicional família mineira forjou esta cidade à seu
modo, e como a localização territorial, a economia macro interferiria nesta que
é a nossa Belo Horizonte.
Os excessos policiais para com os negros, impedidos de ficarem no parque
municipal, a elitização do centro da cidade, a exploração sexual tão disfarçada
de glamour na época de Hilda Furacão, os capoeiristas do Floresta, os
"vadios" debaixo do viaduto Santa Teresa, tão criminalizados, as
prisões arbitrárias nesses locais e para estes atores somente.
Por um momento, no dia de hoje, suspirei ao fechar os olhos e me
encontrar novamente no mesmo cenário e sentí o quão pouco esta cidade forjada
avançou.
Camarada, o projeto arquitetônico de BH, não por acaso se finda em 8
ruas centrais e congruentes. Não por acaso o cruzamento da Amazonas e Afonso
Pena é estratégico pra dizer que alí, naquela "meiuca" de
cruzamentos, seria o palco do ensejo à democracia, mas também carrega o
resquício da cidade sitiada. Alí não há saída, as ruas desembocam no centro e o
centro dá conta dos indesejáveis. Os loucos continuam compulsoriamente presos,
as câmeras continuam caçando os pretos, pobres. As mulheres marginalizadas, os
gays sofrem abusos nas madrugadas. William, tudo está como há 4 anos atrás,
quando sentávamos para pensar quem se apropria do modelo de cidade-mercado.
Mas hoje, especialmente hoje, meu caro, queria lhe dizer: A Copa do
Mundo começou e nós do movimento que você ajudou a construir, estivemos
sitiados. A polícia nos cercou com todo o aparato bélico, e com todo saudosismo
de uma época de sangue. Você se lembra quando discutíamos como seria o Projeto
de Lei que circundaria os estádios e proibiria o Ir e Vir da população? Pois
sequer precisamos marchar até a "área FIFA", foi no centro mesmo. No coraçao
central, no encontro das avenidas, em frente ao antigo teatro (agora
revitalizado), alí, onde nossos
ascendentes foram expulsos pras periferias, alí onde tudo começou...
Bem alí, na Praça que leva o nome Sete de Setembro, há exatos 10km do
Mineirão. Todas as vias foram fechadas, não era "área FIFA", portanto,
nõ haveria justificativa... Mas é "área capital, área
cidade-mercado". Somos transeuntes na cidade mercado, estamos atrapalhando
os negócios, estamos existindo, num espaço onde se deve “ter” e não “ser”. Eles
não nos querem, nunca quiseram.
Tivemos de nos reunir pra podermos andar metros ate a Praça da Estação,
precisamos praticamente pedir "bença" ao Estado repressor para nos
permitir ANDAR até a próxima praça, assim como os vadios precisavam pedir ao
Estado um número que os localizava, assim como abaixo dos viadutos, nossos
irmãozinhos de outrora precisavam de permissão para andar até a próxima
estação.
São tempos difíceis para nós, no entanto te digo por aqui, você esteve
conosco.. Há uma ocupação muito bonita que leva seu nome, e os meninos do
William Rosa são massa! Estão na luta! Sabem que aqui no palco é bala de
borracha, mas na morada deles a bala é de verdade, no entanto estão aqui, e
estamos com eles, e estamos com você!
Me desculpe a falta de parágrafo e a escrita embolada (você sempre
chamou minha atenção por isso, risos)...
Até a próxima!
Luara Colpa
Luara Colpa
Ótimo seu texto, e uma feliz homenagem ao querido Willian!!!
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirLuara Colpa, obrigado por escrever este ótimo texto. Apesar da dor da saudade, como é bom lembrar do William...Abç!
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